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A possibilidade de publicar artigos sobre a paternidade me chegou como um convite, mas, acima disso, como um grande desafio. Confesso que o ato de expor em forma de texto as próprias experiências, intimidades e vivências exige muita coragem. O que eu vivo com a minha filha é algo muito precioso para mim. Neste sentido, concordo com as palavras de Eliane Brum quando ela diz que ''escrever sempre é uma entrega profunda e perturbadora''. Quando se trata de um texto em primeira pessoa, é necessário mobilizar uma energia diferente. Se proteger ou deixar de se doar, neste caso, pode colocar em xeque a minha conexão com o leitor. As pessoas sentem quando estão diante de um texto feito com alma ou não. É um caminho de tentativa e experimentação, erros e acertos. Não existe bem uma fórmula que garanta o sucesso, que elimine as chances de não ser bom o suficiente. Mas o que é ser bom o suficiente?
O meu lado perfeccionista nas coisas por vezes me atrapalha, tenho certeza que sou a pessoa que mais apaga texto no mundo, os meus próprios. Eu sempre acho que posso ir além, tanto em técnica quanto em substância. No esporte, eu sei que essa energia inquieta me fez chegar numa olímpiada, mas aqui, a coisa é diferente. O pássaro da criatividade não pousa em ombros inseguros e ansiosos. O mais doido disso tudo é que eu escolhi tratar de uma temática que eu não domino. Certamente que não há pessoa melhor para falar sobre paternidade do que alguém que é pai. Entretanto, mesmo que eu tenha esse "poder de fala'', entendo que isso só serve para me trazer mais responsabilidade sobre "o que falar''. Afinal de contas, o que deve ser falado sobre a paternidade? Se alguém conhece um manual desta temática, por favor, me passe. Logo que me tornei pai, me vi "culturalmente sozinho''.
Isso porque entendi que a nossa cultura carece de uma transformação radical, em relação ao "modelo de pai'' que até então foi seguido. A importância da figura paterna no desenvolvimento das crianças é uma discussão recente. Muito disso se deu pela força do movimento feminista que expôs os abusos do patriarcado, entre eles, a ausência efetiva e afetiva da figura paterna, como algo que sobrecarrega ainda mais a vida das mulheres. Indo além, acredito que as consequências emocionais da ausência paterna, catalogadas pela ciência da Psicologia nas últimas décadas, foram também muito importantes para movimentar as discussões acerca do papel do pai no desenvolvimento dos filhos.
Eu sinto que estamos diante de uma mudança, que é lenta, mas que já começou. É uma mudança que precisa ser capitaneada pelos "novos pais''. Eu tenho o privilégio de aprender com muitos amigos que são pais, e que assim como eu entenderam a importância de se entregarem de coração a essa experiência. Ter que repensar um modelo de pai para estabelecer uma mudança na sociedade, torna a coisa mais complexa ainda. Tudo isso exige um constante "desacomodar-se''. Não há como transferir para ninguém esse papel - se mãe é mãe, pai é pai. Perto de completar cinco anos nessa incrível jornada como pai da Clara, vou entendendo que escrever sobre a paternidade é o mesmo que ser pai. Eu preciso, muitas vezes, tirar algo do zero. Criar do meu jeito e confiar que vai ficar bom.
Entendi que buscar a perfeição é uma bobagem tremenda. O que de melhor eu posso dar aos meus leitores é o mesmo que eu devo dar a minha filha, ou seja, entrega sincera e afeto, na minha versão mais humana possível.